Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?

Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?

Todos sabemos que todas as situações da vida possuem ganhos positivos e negativos. Dentre os negativos, temos alguns ganhos que são bem nocivos à saúde física e mental, são chamados de Ganhos Secundários. Mas o que são esses ganhos? 

São as coisas aparentemente boas que tiramos das situações ruins e nos aprisionamos, nos mantendo em um estado de sofrimento e daqueles que nos cercam. São inconscientes, em sua maioria, ou seja, não nos damos conta de que nos aprisionamos nós mesmos em detrimento de outros ganhos.

Por exemplo, você adoece, ai percebe que todos te dão atenção e cuidado, ao que você retribui com um exagero da doença para que tais cuidados sejam mantidos. Ou seja, você desgasta os outros que estão ao seu alcance para que você possa "gozar", recebe uma folga do trabalho por estar "doente", as vezes, dependendo do caso, até afastamentos de longo prazo.

Outro exemplo, você vive numa relação a dois, e mantem uma relação de faxada, porque não quer se deparar com a solidão. Ou seja, você não larga o (a) companheiro (a) por não querer estar só, você aceita a indiferença, a frieza, a distancia que há mesmo estando na mesma cama para não sofrer o que deveria, a perca de tal relação.

Outro exemplo, você está em um emprego que te ajuda financeiramente, mas você o odeia e ainda assim o aceita. Sabe que sua área é outra, ou até tem planos melhores em sua carreira, mas se prende ao que tem agora para não lançar-se no futuro que te espera.

Outro exemplo, este obtive em uma palestra do Promotor de Justiça Criminal, Edgar Braz Mendes Nunes. Uma mulher que aceitava que o marido a batesse sempre que ele assim o quisera, fora as discussões, embriaguez e afins. Ao que ela dizia, vindo de uma vila pobre: "Ele não me bate, doutor. Ele é bom pra mim. Ele trabalha. Ele comprou até uma televisão para mim. Ele me ama." Onde todos os vizinhos sabiam do caso de violência doméstica. Mas ela aceitava tudo isto porque vinha de uma família pobre, nunca havia trabalhado, tinha autoestima baixa, ou seja, acreditava que não conseguiria nem emprego nem outro companheiro, caso quisesse. Sofria tudo e mantinha seus "ganhos":

- Ser vista como uma mártir, uma pessoa boa, compreensiva e até espiritualizada; ganhar atenção e reconhecimento por isso.

- Manter a identidade da vítima (apego ao personagem) e colocar a culpa do seu sofrimento no marido e, dessa forma, não assumir a responsabilidade de mudar. Assumir a responsabilidade pela própria vida é uma libertação, só traz benefícios. Só que o processo de transição de sair da vítima e cair na real pode ser bem doloroso. Além disso, a quem ela vai culpar se por acaso se separar e, ainda assim, não conseguir ser feliz?

- Com sua baixa autoestima (sentimentos de menos valia, não merecimento devido a culpas e rejeições que vem acumulando na vida); ela tem desejos inconscientes de sofrer e se punir pelos erros cometidos até outrora e esse relacionamento preenche essa necessidade por isso. Além do ganho "vitimista" do título de "coitada" que lhe confere atenção e cuidado por parte de terceiros.


Vemos, então, que os ganhos secundários em manter um problema podem ser de diversos tipos: receber reconhecimento e atenção; ser cuidado pela família; tirar licença do trabalho e até se aposentar antes do tempo; manter um personagem ao qual estamos muito apegados inconscientemente; preencher a vida com uma causa; culpar os outros pela própria infelicidade e não ter que ver a sua parcela de responsabilidade; punir a si mesmo devido à baixa autoestima etc.

Isto posto, temos a pergunta de um médico francês Sigmund Freud, criador da Psicanálise, que dizia aos seus analizandos (que estão aos seus cuidados psíquicos) sobre seus ganhos secundários : “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?” Ele dizia isso por saber que os ganhos secundários nos tiram da verdadeira felicidade ou do caminho que realmente devemos trilhar.

“Eu sofro porque o mundo me faz sofrer. O mundo tem que mudar, não eu.”. As intervenções, por vezes terapêuticas, visam justamente levar o indivíduo a converter esse discurso auto-vitimizador em um questionamento acerca do que ele próprio precisa mudar em seu comportamento, afinal, ele não apenas uma folha em que as coisas são escritas, ele é dono da própria vida e de suas decisões, inclusive da decisão de não fazer absolutamente nada para mudar.

Deixar os ganhos secundários é como estar em um casulo. mas não existiriam borboletas se elas não enfrentassem a solidão em se tornar uma crisálida e depois uma borboleta. Seria muito bom continuar lá, em meio às outras larvas, apenas comendo as folhas, sem nada a enfrentar, mas, para alçar voos é necessário liberdade, autoconhecimento, saber de si, estar só e ter coragem de mudar a si e a própria vida para um dia chegar a novos horizontes.

Vale lembrar que os ganhos são originariamente inconscientes, para que haja uma mudança é importante tomar consciência, para, em seguida, mudar de atitude. O que, consequentemente, mudará a saúde física e mental do indivíduo.

Reflitamos sobre que ganhos secundários estamos escolhendo para não enfrentarmos coisas reais, nosso conformismo ou relaxo apontam para o que estamos perdendo, para as decisões, por vezes duras e bem dolorosas, que precisamos tomar para nosso crescimento pessoal.